domingo, 2 de dezembro de 2012

Atropelamento: nem sempre o pedestre é vítima

O CTB (Código de Trânsito Brasileiro) garante ao pedestre inúmeras prerrogativas em relação aos demais veículos que integram o sistema nacional de trânsito conforme preconiza o artigo 29 § 2º da referida norma. Mas também é fato que, dentro do contexto trânsito, o pedestre também deve seguir regras básicas de segurança partindo do princípio do zelo pela própria vida e a de outrem.  O artigo 69 do CTB estabelece algumas regras de circulação ao pedestre no que concerne à travessia em vias públicas:
Artigo 69 – Para cruzar a pista de rolamento o pedestre tomará precauções de segurança, levando em conta, principalmente, a visibilidade, a distância
e a velocidade dos veículos, utilizando sempre as faixas ou passagens a ele destinadas sempre que estas existirem numa distância de até cinqüenta metros  dele, observadas as seguintes disposições:
I - onde não houver faixa ou passagem, o cruzamento da via deverá ser feito em sentido perpendicular ao de seu eixo;
II - para atravessar uma passagem sinalizada para pedestres ou delimitada por marcas sobre a pista:
a) onde houver foco de pedestres, obedecer às indicações das luzes;
b) onde não houver foco de pedestres, aguardar que o semáforo ou o agente de trânsito interrompa o fluxo de veículos;
III - nas interseções e em suas proximidades, onde não existam faixas de travessia, os pedestres devem atravessar a via na continuação da calçada,
observadas as seguintes normas:
a) não deverão adentrar na pista sem antes se certificar de que podem fazê-lo sem obstruir o trânsito de veículos;
b) uma vez iniciada a travessia de uma pista, os pedestres não deverão aumentar o seu percurso, demorar-se ou parar sobre ela sem necessidade.
Cabe ao pedestre certificar-se se há segurança em uma travessia de forma a não colocar em risco sua segurança ou risco de sinistro iminente em relação aos veículos que trafegam pela via. O CTB ainda estabelece que, iniciada a travessia, o pedestre não deve demorar em concluir a ação. Em relação às passarelas ou faixas de pedestres, o CTB estabelece a obrigatoriedade de travessia nestes locais, caso se encontrem em um raio de 50 metros do pedestre.
O CTB ainda estabelece sanções administrativas aos pedestres que desrespeitarem as regras legais de trânsito. Embora haja previsão legal para a imputação de infração de trânsito ao pedestre, falta por parte dos órgãos públicos, regulamentação específica para que as infrações sejam devidamente impostas. Sem esta regulamentação, os agentes fiscalizadores pouco podem fazer para disciplinarem o trânsito de pedestres em vias públicas. A inércia do Poder público aliada à falta de informação e até mesmo educação do pedestre acaba gerando uma série de abusos cometidos no trânsito, recaindo a responsabilidade ao motorista, que deve redobrar sua atenção frente à presença de pessoas nas vias públicas.
Artigo 254 – É proibido ao pedestre:
I - permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido;
II - cruzar pistas de rolamento nos viadutos, pontes, ou túneis, salvo onde exista permissão;
III - atravessar a via dentro das áreas de cruzamento, salvo quando houver sinalização para esse fim;
IV - utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo
em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente;
V - andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea;
VI - desobedecer à sinalização de trânsito específica;
Infração - leve;
Penalidade - multa, em 50% (cinqüenta por cento) do valor da infração de natureza leve.
Para que serve uma passarela?
Recentemente, em uma importante e movimentada rodovia da Grande São Paulo, um atropelamento gerou a morte de um pedestre que tentava cruzar a via com um fluxo intenso de veículos. Esta notícia seria mais uma a entrar no triste rol de acidentes de trânsito se não fosse por um detalhe. Havia uma passarela há aproximadamente 70 metros do local do sinistro. Apesar da condutora do veículo encontrar-se em estado de choque, culpando-se pelo ocorrido, devemos analisar friamente o fato para identificarmos o que realmente causou a morte deste pedestre:
A – Uma rodovia, com quatro faixas de rolamento e com grande movimentação de veículos;
B – Entre estes veículos que trafegavam pelo local, temos que considerar o grande número de veículos de grande porte, como caminhões e ônibus;
C – Não há faixa de pedestre no local do sinistro e a rodovia ainda apresenta canteiro central fechado por defensas metálicas;
D – Há uma passarela a 70 metros do local.
Dentro destes tópicos de reflexão, chegamos a seguinte conclusão: O pedestre preferiu, seja por pressa ou comodidade, não utilizar a passarela existente nas imediações acreditando que poderia cruzar a via, mesmo estando bastante movimentada. O trânsito apresentava fluxo intenso de veículos de grande porte, fato que causava a perda de visão por parte dos condutores dos veículos de pequeno porte. A condutora seguia com seu veículo, pela primeira faixa (esquerda), momento em que o pedestre repentinamente surgiu à frente de um caminhão, que seguia pela segunda faixa. Mesmo tentando frear, não teve espaço suficiente para que seu veículo parasse totalmente, atingindo fatalmente o pedestre. Esta análise aponta um erro comum de avistarmos nas vias públicas, o desuso da passarela pelo pedestre. Podemos identificar este problema com maior regularidade nas vias litorâneas, onde o clima de descontração e o abuso do álcool causam uma maior desatenção do pedestre na utilização destas obras de arte. A frequência com que encontramos pedestres cruzando o leito viário, sob passarelas é assustadora. E o número de atropelamento traduz bem este problema.
Nos últimos anos, os tribunais brasileiros já identificaram este problema, imputando as responsabilidades aos pedestres que cruzam as vias sem a devida cautela. Em tribunais de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, entre outros, os magistrados começam a inocentar os motoristas em virtude de atos negligentes por parte de pedestres. Recentemente, em um tribunal gaucho, a Justiça isentou uma empresa de transporte coletivo da responsabilidade pelo atropelamento de um pedestre por um de seus ônibus durante a travessia de movimentada avenida. O pedestre ajuizou a ação contra a empresa narrando que após descer de um coletivo, enquanto atravessava o corredor de ônibus da avenida pela faixa de segurança, foi atropelado por outro coletivo que trafegava em sentido contrário. As testemunhas ouvidas foram uníssonas ao narrarem que o motorista foi surpreendido pelo pedestre, que tentou realizar a travessia da pista em local inadequado e em momento inoportuno, de maneira desatenta, saindo detrás de outro coletivo que se encontrava parado no sentido contrário, tendo sido esta a causa determinante do acidente. A Justiça considerou que, mesmo próximo de faixa de segurança, o pedestre não se exime do dever de se certificar da possibilidade de fazer a passagem com a segurança necessária, conforme preceitua o artigo 69, III, a, do Código de Trânsito Brasileiro.
Um por todos e todos por um
Para que este quadro de atropelamentos possa ser revertido cabe a todos integrantes do sistema nacional de trânsito uma parcela de responsabilidade. Como citado no livro “Os três mosqueteiros”, de Alexandre Dumas, apenas a união de todos por um bem comum poderá reverter os índices de atropelamentos de pedestres em vias públicas. Ao condutor cabe, principalmente em vias urbanas de grande concentração de pedestres, redobrar a atenção e diminuir a velocidade de seu veículo de forma que tenha tempo hábil para evitar o atropelamento. Cabe lembrar que o CTB estabelece a responsabilidade do condutor pela incolumidade física do pedestre, fato que representa mais que uma obrigação moral, mas uma previsão legal.
Ao Poder Público cabe a criação de políticas públicas que conscientizem os pedestres sobre os riscos de uma travessia em via pública de forma que o pedestre entenda e respeite estes limites para sua própria segurança. Cabe ainda a regulamentação de mecanismos de fiscalização para que os agentes de trânsito possam reprimir as ações imprudentes de inúmeros pedestres. E aos pedestres cabe a conscientização sobre os riscos da travessia inadvertida e a utilização das faixas de travessia e das passarelas. O pedestre deve sempre compreender que respeitando a sinalização e redobrando sua atenção estará apenas preservando seu bem maior, sua própria vida. E pela vida, toda atenção é pouco no trânsito.