A utopia, no sentido de situação ideal em que vigorem instituições equânimes, sempre nos remete ao coletivo, à preocupação com o outro, ao senso de justiça. Na droga prevalece a corrupção do ideal do absoluto, em meio à ilusão de que o indivíduo basta a si mesmo e o seu prazer, ainda que fuga da frustração e da dor, é a meta de uma vida.
O delírio utópico atravessa o tempo, alterando estruturas, movido por crenças e teorias. Catalizado por ideologias, ganha força e, também por causa delas, em seguida conhece o declínio, sabotado pelas pulsões egóicas no jogo do poder. Ergue e derruba regimes políticos e altera paradigmas e logo se perde na armadilha das fórmulas e formas para renascer mais à frente em novo ciclo criativo.
A utopia fez surgirem heróis e mártires e expôs à luz a força e a ternura incomensuráveis da condição humana. Mas, com todo o respeito aos delirantes de outros matizes, penso que nenhuma utopia, até hoje, foi maior e mais demolidora que a do jovem judeu que anunciou um reino.
A proposta de Jesus é radical e isso explica o seu destino trágico na cruz. Ela mina as bases do poder temporal e a do poder clerical, sustentado por ideologias religiosas. É trator que não deixa pedra sobre pedra do edifício de nossas crenças e valores tradicionais.
A verdade é que não há como ser cristão sem incomodar o mundo, aqui entendido como a lógica que cria e sustenta os sistemas abomináveis que discriminam, manipulam e oprimem os homens. Para os que não crêem, somos loucos, já dizia o apóstolo Paulo. A mensagem cristã é inclusiva, o reino é o abraço à natureza, um fazer-se um com todos e com Deus.
O reino é plenitude no frescor e na simplicidade da vida, eterna partilha na qual os dons do amor se multiplicam. E isso não atende aos interesses do mundo, que se alimenta da carência e do medo, na cela imensa da avareza.
Não sou católico, mas emociono-me com a atual Jornada Mundial da Juventude em torno de um papa que, inspirando-se no “louco” de Assis, parece esforçar-se por retirar sua igreja do pântano em que se meteu ao se deixar seduzir pelo império desafiado nos tempos apostólicos por um exército de excluídos. A utopia cristã nunca morreu. Apóstolos e mártires sempre brotaram no altar da vida. Ver, no entanto, tantos jovens dispostos a sonhar e a agir, como o fez Francisco de Assis há 800 anos, renova-nos na coragem e na alegria de viver.
-Por Jomar Morais